Reprovações abusivas nos concursos públicos de carreiras policiais

Nos últimos concursos de carreiras policiais do Estado de Goiás têm acontecido algumas peculiaridades que nunca haviam ocorrido antes, portanto, algo “novo” que nos permite desenvolver “novas teses jurídicas” para solucionar problemas que surgem.

 

Algumas ilegalidades que vem acontecendo são as chamadas cláusulas de barreiras abusivas. Muitos candidatos mesmo alcançando a pontuação necessária das respectivas fases iniciais do concurso (prova objetiva e discursiva) estão sendo eliminados, pois o edital estabelece que os aprovados até uma determinada classificação sejam convocados para a próxima etapa do certame.

 

Segue um exemplo: suponha que um candidato para o concurso da Polícia Militar tenha alcançado a posição 51 para sua respectiva regional, porém, no edital estabelece que fossem convocados para a próxima etapa (Teste Físico) apenas até o classificado na posição 50. Então, tecnicamente, este candidato estaria eliminado do certame. Essa limitação de candidatos entre uma etapa e outra é chamada de cláusula de barreira.

 

É importante destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu a respeito da constitucionalidade e legalidade das cláusulas de barreiras, conforme decisão no Recurso Extraordinário 635.739, cujo voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes afirmou ter amparo constitucional as regras restritivas em edital de concursos públicos, quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao mérito do desempenho do candidato.

 

Ocorre que a Administração Pública também está sujeita a obediência de princípios como: razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e a vinculação ao instrumento convocatório (edital). Portanto, a decisão do Supremo em um Recurso Extraordinário não pode ser aplicada às cegas pelos demais magistrados de primeira e segunda instância nos Tribunais Estaduais sem a devida análise do caso concreto.

 

O nosso entendimento é que as cláusulas de barreira não podem ser abusivas a ponto de prejudicar a própria Administração Pública limitando o quantitativo de aprovados por etapas de tal forma a não se conseguir ao final do certame pelo menos o quantitativo estabelecido de aprovados para o número de vagas estipuladas no edital. Este procedimento fere o princípio da eficiência.

 

O núcleo do princípio acima citado diz respeito à importância do Gestor Público reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional Logo, relaciona-se muito com a produtividade e economicidade.

 

Ora, se o edital limita o quantitativo de candidatos a ponto de chegar ao final do certame com um número muito inferior as vagas disponibilizadas, é evidente que o concurso público não cumpriu sua principal finalidade que é justamente selecionar os melhores candidatos para preencherem as vacâncias dos cargos públicos e suprir o déficit de servidores nos órgãos públicos.

 

Percebe-se que a limitação abusiva além de prejudicar a própria Administração que terá que realizar outro concurso em curto espaço de tempo para suprir o déficit, gerando mais gastos públicos sem a real necessidade, afetando também a própria sociedade que não terá os quadros funcionais preenchidos em uma atividade de grande relevância tal qual a Segurança Pública.

 

Portanto, um concurso público deve ser bem aproveitado a fim de suprir as reais necessidades do Estado, inclusive, estabelecendo até mesmo um cadastro de reserva, pois se vários candidatos aprovados dentro do número das vagas desistirem de tomar posse, o cadastro resguardaria a própria Administração Pública para suprir as vacâncias. Além de gerar uma economia para a sociedade.

 

Vale ressaltar que estes candidatos eliminados pelas cláusulas de barreira não foram reprovados nas provas. Eles atingiram a pontuação necessária, cumprindo os requisitos constitucionais, porém estão sendo eliminados arbitrariamente apenas por não ter alcançado uma determinada classificação.

 

Retomando o exemplo inicial: suponha que sejam eliminados daquela respectiva regional no Teste Físico 15 candidatos, por conseguinte, apenas 35 foram aprovados nesta etapa. Caso o edital tenha disponibilizado 40 vagas, percebe-se que a limitação foi tão abusiva que o quantitativo esta abaixo das vagas estipulada no Edital, logo, existem 5 vagas remanescentes. Então, visando o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, bem como o princípio da acessibilidade aos cargos públicos, a Banca Examinadora deveria convocar pelo menos o dobro de candidatos das vagas remanescentes, isto é, 10 candidatos para realizar a etapa até atingir o quantitativo de aprovados estabelecido no edital.

 

Este procedimento de convocar os candidatos remanescentes para a etapa seguinte tem respaldo legal principalmente no princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Isso significa que “todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital que não só é o instrumento que convoca candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão”. Por isso, se a banca estabelece que 40 candidatos sejam convocados para próxima etapa, ela deve cumprir o que esta no edital. Havendo a convocação de apenas 35, conforme no exemplo citado, haverá a lesão ao princípio referido, bem como há ferimento a legalidade, sendo passível, portanto, de controle do Poder Judiciário.

 

A Banca Examinadora deve cumprir o Edital estritamente. Se a mesma esta convocando para a próxima etapa o quantitativo de candidatos inferior ao estabelecido no edital, ela esta descumprindo o edital, por isso deve realizar uma nova convocação dos remanescentes até atingir o número do edital. Caso contrário, é nítida e clara a ilegalidade.

 

Enfim, a tese acima é nova. Não há precedentes nos Tribunais. Porém, esta compatível com a lógica jurídica, bem como com há razoabilidade e fundamentação sustentável por doutrinadores no Direito Administrativo.

 

O raciocínio dos remanescentes já é aplicado na segunda etapa do concurso, nas situações que envolvem as convocações para nomeação e posse. Se um candidato é nomeado e desiste, o subsequente tem direito líquido e certo de ser nomeado e empossado. Isto já vem sendo aplicado pelos Tribunais de forma reiterada. O que venho sustentar aqui neste artigo é que a mesma situação jurídica deve ser aplicada também na primeira etapa dos concursos que envolve as provas. Caso candidatos desistam ou sejam reprovados e, havendo  vagas remanescentes, os próximos candidatos respeitado a ordem de classificação, possuem direito de seguir normalmente nas próximas etapas do certame. Este é o nosso entendimento e posicionamento com amparo na lei e nos princípios.

 

Dr. Agnaldo Bastos, advogado especialista em direito público, atuante em causas envolvendo concursos públicos, agentes públicos e licitações.

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